14/06/2019

Ambrósio de Milão: Morreste para o mundo, ressuscitaste para Deus


Não creias somente nos olhos do teu corpo: vê-se mais o que não se vê, porque este é temporal, aquele é eterno. Vê-se mais aquilo que não é captado pelos olhos, mas que o espírito e a mente discernirem.

Em seguida, ensinar-te-á a leitura dos Reis feita a ti. Naamã era sírio, tinha lepra e não pudera ser purificado por ninguém. Então, uma menina entre os escravos disse que havia um profeta em Israel que poderia purificá-lo da praga da lepra. Tomando ouro e prata, ele foi em busca do rei de Israel. Este, sabendo da causa de sua vinda, rasgou a sua roupa, dizendo que se tratava de uma prova, pois exigia-se dele o que não estava ao alcance do seu poder real. Eliseu, porém, intimou o rei que lhe mandasse o sírio, a fim de que ele reconhecesse que existia um Deus em Israel. Quando ele chegou, mandou que mergulhasse sete vezes no rio Jordão.

Então, o sírio começou a refletir que os rios de seu país tinham águas melhores do que aquelas e que ele tinha-se banhado frequentemente sem se ter jamais purificado de sua lepra e estava voltando sem obedecer às ordens do profeta. Entretanto, com o conselho e a persuasão dos servos, aceitou e mergulhou. Purificado imediatamente, ele compreendeu que a purificação de cada um não dependia de cada um, mas da graça.

Conhece agora quem é aquela menina entre os cativos, ou seja, a jovem assembleia entre as nações, isto é, a Igreja do Senhor oprimida diante do cativeiro do pecado, quando ainda não tinha a liberdade da graça. Foi por seu conselho que este vão povo das nações ouviu a palavra profética da qual ele tinha antes por muito tempo duvidado. Depois, porém, que acreditou que era preciso obedecer, foi lavado de todo contágio dos vícios. Antes de ser curado, ele duvidou; tu já foste curado e, portanto, não deves duvidar.

Por isso, já te foi dito para creres não só naquilo que vias, a fim de que talvez tu também não digas: “Este é o grande mistério que ‘o olho não viu, nem o ouvido ouviu, nem tem acesso ao coração do homem’?” (1Co 2.9). Vejo a água que eu via diariamente: esta pode me purificar, se já desci nela muitas vezes e nunca fui purificado? Portanto, saiba que a água não purifica sem o Espírito.

Por isso leste que os três testemunhos no batismo são um só: a água, o sangue e o Espírito [1 Jo 5.7-8], porque se tiras um deles, não existe sacramento do batismo. De fato, o que é a água sem a cruz de Cristo, senão elemento comum sem nenhuma utilidade para o sacramento? Por outro lado, não há mistério da regeneração sem a água. Com efeito, “a não ser que tenha renascido da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus” (Jo 3.5). O catecúmeno também crê na cruz do Senhor Jesus pela qual ele foi marcado, mas a não ser que tenha sido batizado em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, não pode receber a remissão dos pecados nem haurir o dom da graça espiritual.

Aquele sírio mergulhou sete vezes na Lei; tu, porém, foste batizado no nome da Trindade. Confessaste o Pai — lembra-te do que fizeste — confessaste o Filho, confessaste o Espírito. Conserva a ordem dos fatos. Nessa fé, morreste para o mundo, ressuscitaste para Deus, e como que sepultado naquele elemento do mundo, morto para o pecado, ressuscitaste para a vida eterna. Crê, portanto, que a água não é inútil.

- Santo Ambrósio (c. 340-397), bispo de Milão e doutor da Igreja (Sobre os Mistérios, 15-21)

Fonte: Ambrósio de Milão [trad.: Célia Mariana Franchi Fernandes da Silva]. São Paulo: Paulus, 1996. [Patrística, vol. 5 - Explicação dos símbolos (da fé) – Sobre os sacramentos – Sobre os mistérios – Sobre a penitência]

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