27/01/2020
João Crisóstomo (27 de janeiro)
Trecho da Segunda Homilia de João Crisóstomo sobre a Segunda Carta a Timóteo:
[Paulo] não disse: Não temas, nem te apavores, mas antes sê ousado: “Não te envergonhes” [2 Tm 1.8], como se acabassem os perigos desde que desistisses de envergonhar-te. O pudor tem só isto de molesto: Ser por ele dominado. “Não te envergonhes”, portanto, uma vez que eu [Paulo], que ressuscito mortos, faço inúmeros milagres, percorro o orbe, agora estou preso, pois não sou prisioneiro como um criminoso, mas por causa do crucificado. Meu Senhor não se envergonhou da cruz, nem eu, dos vínculos. E com razão, admoestando-o a não se envergonhar, primeiro relembra a cruz. Se não te envergonhas da cruz, diz ele, nem te envergonhes dos vínculos; se nosso Senhor e mestre suportou a cruz, muito mais nós devemos tolerar as cadeias. Quem se envergonha do que ele sofreu, também se cora do crucificado. Não é por minha causa, diz ele, que carrego essas cadeias. Nada de fraquezas humanas. Participa delas, “participa do meu sofrimento pelo evangelho”; ele não quer dizer que o evangelho provoca sofrimento, e sim estimular o discípulo a sofrer em prol do evangelho. “Confiando no poder de Deus, que nos salvou e nos chamou com uma vocação santa, não em virtude de nossas obras, mas em virtude do seu próprio desígnio e graça. Essa graça, que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos.” Visto que era duro dizer: “Participa do meu sofrimento”, [Paulo] novamente o consola [Timóteo] nesses termos: “Não em virtude de nossas obras”, isto é, não julgues que suportas por tua própria força, e sim pelo poder de Deus. A ti cabe escolher e diligentemente receber, a Deus compete aliviar e dar repouso. Em seguida, enuncia também os indícios de seu poder. Pensa, diz ele, como foste salvo, como foste chamado, conforme diz em outra passagem: “Ao que é poderoso para realizar por nós” (Ef 3.20). Assim, persuadir a todo o orbe resultava de poder maior do que criar o céu. De que maneira chamou “com uma vocação santa”? Transformou em santos os que eram pecadores e inimigos; e isto não por nossa virtude, por dom de Deus. Ele é poderoso para chamar e bondoso pela graça, e não por dever, ou a fim de ser temido. Salvou-nos pela graça porque precisávamos de salvação e apesar de sermos inimigos; vendo-nos atuar, não haverá mais ainda de cooperar? “Não em virtude de nossas obras, mas em virtude do seu próprio desígnio” [2 Tm 1.9]. Isto é, sem que ninguém obrigasse ou aconselhasse, mas por seu próprio desígnio, impelido por sua bondade, nos salvou. É o sentido da frase: “Mas em virtude do seu próprio desígnio e graça. Essa graça, que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos.” Isto é, sem princípio estas coisas foram prefiguradas em Cristo Jesus, para serem cumpridas.
Fonte: Patrística: São João Crisóstomo - Comentário às Cartas de São Paulo/3. São Paulo: Paulus, 2014.
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