O Batismo é um sinal externo ou uma insígnia, que nos aparta de todas as pessoas não batizadas, para que, através dele, sejamos reconhecidos como um povo de Cristo, nosso guia, sob cujo pendão (que é a santa cruz) lutamos continuamente contra o pecado. Por isso, devemos considerar três coisas no santo sacramento: o sinal, o significado e a fé. O sinal consiste em mergulhar a pessoa na água em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo...
O significado é um morrer bem-aventurado do pecado e uma ressurreição na graça de Deus, de modo que o velho ser humano, concebido e nascido em pecado, é afogado, e um novo ser humano, nascido na graça, surge e se levanta... O significado do Batismo - o morrer ou afogar-se do pecado - não se realiza inteiramente nesta vida, até que o ser humano morra também corporalmente e se transforme completamente em pó. O Sacramento ou sinal do Batismo se realiza depressa, como vemos com nossos próprios olhos, mas o significado, o Batismo espiritual, o afogamento do pecado, dura enquanto vivemos e só é consumado na hora da morte. Então a pessoa é verdadeiramente imersa na água batismal e se realiza o significado do Batismo. Por isso, esta vida nada mais é que um incessante batizar espiritual até a morte. E quem é batizado é condenado a morte, como se, ao realizar o Batismo, o sacerdote dissesse: “Vê, tu és carne pecaminosa; por isso te afogo em nome de Deus e te condeno à morte em seu nome, para que todos os teus pecados morram e pereçam contigo.” Neste sentido, S. Paulo diz em Rm 6.4: “Somos sepultados com Cristo para a morte pelo Batismo.”...
Temos que ocupar-nos agora com a terceira parte do sacramento: a fé. Isto quer dizer que creiamos firmemente que o sacramento não apenas significa a morte e ressurreição no Último dia, pelas quais o ser humano é renovado para viver eternamente sem pecado, mas que também certamente inicia e opera isso e nos une com Deus, de forma que queiramos, até a nossa morte, matar o pecado e lutar contra ele; que creiamos firmemente que Deus, por sua vez, quer levar isso em conta e nos tratar graciosamente, não nos julgando com todo o seu rigor, pois não estamos sem pecado nesta vida, até que nos tornemos puros através da morte. Compreendes, assim, como uma pessoa fica sem culpa, sem mácula e sem pecado no Batismo, permanecendo, não obstante, cheia de muita má inclinação; assim sendo, ela só pode ser chamada de pura no sentido de ter começado a tornar-se pura e de possuir um sinal e um pacto dessa pureza e de dever tornar-se cada vez mais pura... Esta fé é a mais necessária, pois é a razão de todo consolo. Quem não a tem, há de desesperar em pecados. Pois o pecado que permanece após o Batismo faz com que todas as boas obras não sejam puras perante Deus. Por isso, devemos apegar-nos resoluta e ousadamente ao Batismo e contrapô-lo a todo pecado e terror da consciência, dizendo humildemente: “Sei muito bem que não tenho nenhuma obra pura. Porém fui batizado, e através do Batismo Deus, que não pode mentir, fez uma aliança comigo, para não me imputar meu pecado, mas para matá-lo e eliminá-lo.”
Compreendemos, pois, agora que a inocência que recebemos no Batismo tem esse nome inteiramente por causa da misericórdia de Deus, que iniciou isso, tem paciência com o pecado e nos trata como se não tivéssemos pecado. A partir disso, entendemos também por que na Escritura os cristãos são chamados filhos da misericórdia, povo da graça e pessoas da benevolência de Deus: porque começaram a ficar puros pelo Batismo, porque, pela misericórdia de Deus para com o pecado remanescente, não são condenados, até que se tornem completamente puros através da morte e no último dia, conforme manifesta o Batismo com seu sinal. Por isso, enganam-se muito aqueles que acham que ficaram inteiramente puros pelo Batismo. Em sua ignorância, deixam de matar seu pecado; não querem considerar o pecado como tal, mas persistem nele. Com isso, reduzem seu Batismo a nada, apegam-se apenas a algumas obras exteriores, sob as quais a soberba, o ódio e outras maldades naturais, que não percebem, só se fortalecem e aumentam. Não, não é assim.
— Bem-aventurado Martinho Lutero (1483-1546), doutor e reformador da igreja (Um Sermão sobre o Santo, Venerabilíssimo Sacramento do Batismo, 1519)
Fonte: LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. v. 1. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 1987. p. 415-416, 419-420.
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