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Representação do Concílio de Niceia nas Crônicas de Nuremberg (1493), folio 130. |
O Cristo da igreja da Reforma é o Cristo dos credos ecumênicos e o Cristo das Escrituras. Poderíamos até dizer que a preocupação central e fundamental da reforma de Martinho Lutero era especificar, definir e situar aquele Deus que justifica o pecador e o santifica para a Vida eterna. A questão central da Reforma era “Quem é o Deus que redime a mim, um pobre pecador?” “Quem é o Deus que dá vida aos que estão condenados à morte?” “Quem é o Deus que quer entregar-se ao homem, para que o homem viva a Vida de Deus?”
Em seu famoso hino de Natal “Eu venho a vós dos altos céus”, Lutero deu a resposta da Reforma a esta questão: “É Cristo, Deus, nosso Senhor”. E este Cristo é o Cristo crucificado. Lutero especifica e define o único e verdadeiro Deus que redime a vida do homem: este Deus é conhecido e presente no filho de Maria; ainda mais concretamente: este Deus é o filho de Maria. Esta identificação de Deus como o homem na cruz permaneceu como o único tema motivador de todos os escritos de Lutero. Quer seja o tópico específico do seu discurso a nova vida de obediência, ou o livre arbítrio, ou a obra da justificação, a realidade subjacente de todo o seu discurso foi o Deus crucificado. Afastar-se deste conhecimento de Deus era entrar em especulações e falsas espiritualidades. Nesta ênfase, Lutero segue a tese central dos bispos no Concílio de Niceia. Os arianos não acreditavam que as “humildes” palavras e obras das histórias do evangelho pudessem ser as palavras e obras do próprio Deus. Deus era demasiado exaltado e majestoso para ser objeto de tal humildade e baixeza. A palavra encarnada, portanto, deveria ser uma criatura, isto é, alguém que é por natureza caracterizado pela mudança, pela luta e até pela morte. Que o verdadeiro Deus pudesse sofrer e morrer era, a rigor, uma impossibilidade.
Também aqui, no século IV, a questão era “quem é aquele que está na cruz?” De quem falam as histórias da Paixão? Os bispos de Niceia responderam: “verdadeiro Deus do verdadeiro Deus, o qual por nós homens e pela nossa salvação desceu do céu e se encarnou pelo Espírito Santo na virgem Maria e foi feito homem”. O verdadeiro Deus era de tal forma que podia comunicar ao homem o seu próprio amor e a sua própria vida. O filho de Maria não era outro senão esta comunicação do amor divino e da vida divina na realidade humana. O homem, Jesus de Nazaré, não é outro senão a forma humana da vida de Deus. Esta é ao menos uma parte importante do que isto significa quando confessamos que ele “se encarnou pelo Espírito Santo na virgem Maria e foi feito homem”. Jesus é a forma humana da vida do Espírito Santo; Jesus é a forma daquela santificação que Deus deseja dar a nós, os ímpios. Jesus é precisamente a forma humana de Deus. Em termos dogmáticos, na unidade da sua pessoa, Jesus é ao mesmo tempo Deus e Homem.
- Dr. William C. Weinrich é professor de Teologia Histórica com especialização em História da Igreja Primitiva e Estudos Patrísticos.
Este trecho faz parte de seu discurso inaugural como novo Reitor da Academia de Lutero em Riga, Letônia, em 5 de fevereiro de 2009.
Fonte: William C. Weinrich. The Doctrine of Christ in Theological Education. In: Concordia Theological Quarterly, Volume 73:2. Abr. 2009. pp. 179-180.