30/08/2024

Décimo Quinto Domingo após Pentecostes - Próprio 17B

Antti-Jussi Koponen (Kirkkovuosi - Luterilainen.net)

Deuteronômio 4.1-2, 6-9
Salmo 119.129-136
Efésios 6.10-20
Marcos 7.14-23

Somos purificados e sustentados pela Palavra de Deus

A iniquidade e o mal vêm “de dentro, do coração das pessoas”, e é isso que as contamina (Mc 7.21–23). Portanto, não podemos nos salvar, pois somos pecadores e impuros desde o nosso interior. Mas assim como o Senhor Jesus “considerou puros todos os alimentos” (Mc 7.19), assim também ele nos purifica por meio da sua Palavra, a pregação do arrependimento e do perdão dos pecados. Portanto, “ouça os estatutos e os juízos” do Senhor e “os cumpram, para que vivam” (Dt 4.1). Pois a sua Palavra é justa, e viver de acordo com ela “será a sabedoria e o entendimento de vocês aos olhos dos povos” (Dt 4.6). Guarde esta Palavra e também a ensine “aos seus filhos e aos filhos dos seus filhos” (Dt 4.9). “Vistam-se com toda a armadura de Deus”, ouvindo e seguindo o que o Senhor tem lhes falado, “para poderem ficar firmes” no dia mau (Ef 6.11-13). Cubram-se com a justiça de Cristo, pela fé no “evangelho da paz”, e usem “a espada do Espírito, que é a palavra de Deus”, confessando a Cristo Jesus e “orem em todo tempo no Espírito” (Ef 6.14-18).

ORAÇÃO DO DIA:

Ó Deus, fonte de tudo que é justo e bom, alimenta em nós todas as virtudes e leva-nos à realização de toda boa intenção, a fim de crescermos em graça e produzirmos os frutos das boas obras; através de Jesus Cristo, teu Filho, nosso Senhor, que vive e reina contigo e o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém.

— Comentário traduzido e adaptado de Lectionary Summaries (The Lutheran Church—Missouri Synod). Salvo exceção, todas as citações da Bíblia Sagrada são da versão Nova Almeida Atualizada (NAA), da Sociedade Bíblica do Brasil. A Coleta é do Culto Luterano: lecionários (Editora Concórdia).

20/08/2024

Lutero: Quem crê também come e bebe Cristo

Lutero dá a comunhão ao eleitor João Frederico I. Ilustração de Gustav König (1808-1869)


 "Jesus respondeu: Em verdade, em verdade lhes digo que, se vocês não comerem a carne do Filho do Homem e não beberem o seu sangue, não terão vida em vocês mesmos." (João 6.53)

O Senhor não vai te deixar na incerteza nem deixar sua alma vagar sem rumo, mas ele quer te manter com esse alimento. Você não deve perder de vista a carne e o sangue, mas mantê-los diante de você, e assim a vida eterna será sua...

Pegue todas as boas obras, também as prescritas nos Dez Mandamentos, como obedecer ao governo, honrar seus pais, abster-se de roubar, adulterar e matar – elas são a carne e sangue de Cristo? Não. Portanto, elas são incapazes de dar vida. Consequentemente, Cristo exclui e rejeita todas elas, individual e coletivamente, e insiste na única coisa que concede vida eterna...

Devemos fazer boas obras e levar uma vida piedosa, mas as boas obras nunca contribuirão para alcançar a vida, escapar da morte ou libertar do pecado. A nossa posição deve concordar com a de Cristo: “A menos que comais a carne do Filho do Homem e bebais o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos. Você não obterá vida de nenhuma outra maneira.”...

Onde quer que seja proclamada a mensagem de que Cristo entregou o seu corpo à morte e derramou o seu sangue pelos nossos pecados, e onde quer que isto é levado a sério, crido e conservado, ali o corpo de Cristo é comido e o seu sangue é bebido. Este é o verdadeiro sentido de comer e beber. Agui, comer é sinônimo de crer. Quem crê também come e bebe Cristo. Estas palavras não precisam de complemento. Não há espaço para boas obras. Seu sangue, derramado na cruz, não é obra minha, eu não fiz isso. Tampouco seu nascimento de Maria ou sua crucificação nas mãos dos judeus são obra minha. Jesus fala do corpo ou da carne dada para a vida do mundo. O fato dele ter morrido por você – isso ele declara que é o verdadeiro alimento.

- Martinho Lutero, no décimo sexto sermão sobre João 6, que pregou no sábado antes do Domingo de Ramos (01/04/1531).

📖 Sermões acerca do Evangelho de João cap. 6 - 1530-1531 (LW 23,133-135)

13/08/2024

Os sacramentos são uma afirmação da criação

 Sacramento do Altar, por Sara Tyson (Artwork from Luther's Small Catechism, CPH)


O uso de substâncias criadas nos sacramentos é um aval da criação. Se a criação fosse tão imperfeita e má como os gnósticos diziam, então deveríamos ter sacramentos sem matéria ou não deveríamos ter sacramentos. Lutero fala da palavra de Deus se juntando a um elemento, um elemento da criação, e tornando-se um sacramento (Catecismo Maior IV, 17). Nos sacramentos, nosso olhar foca primeiramente nas coisas, coisas materiais, coisas pertencentes à criação de Deus, através das quais vemos o sobrenatural. Não olhamos em volta delas, mas através delas, para ver a realidade sobrenatural. O que acontece nos sacramentos, em certo sentido, já aconteceu na encarnação. Em Jesus, vemos Deus. Na água, no pão e no vinho, encontramos Jesus. Tanto na encarnação quanto no sacramento, o criado se torna divino e serve ao único propósito divino da salvação. Tanto em Jesus quanto nos sacramentos, o invisível está oculto no visível, e desta forma a criação é primeiro afirmada e então elevada. Através da palavra de Deus, água, pão e vinho experimentam um tipo de redenção de seu uso subalterno e uma santificação pela qual o Espírito traz pessoas a um relacionamento mais elevado com Deus e confirma isto. Os elementos criados são levados ao seu mais alto potencial e pela palavra de Deus excedem esse potencial sem negar suas limitações. Nos sacramentos, coisas comuns são elevadas a um nível espiritual mais alto, uma dimensão na qual o Espírito Santo está operando. […] Luteranos confessionais são sistematicamente contrários a qualquer substituição das substâncias prescritas, assim como também a qualquer alteração do significado das palavras.

[…]

Os sacramentos são importantes não apenas por causa dos mandamentos de Deus, mas porque derivam sua vida e significado de uma cristologia centrada na encarnação. A encarnação, por sua vez, é uma aprovação total da criação. Na encarnação, Deus toma para si a humanidade, a coroa de sua criação. Jesus é tanto Criador e criatura: “Igual ao Pai segundo a divindade e menor do que o Pai segundo a sua humanidade” [Credo Atanasiano].

[…]

Lutero insiste que Deus trabalha conosco por meio de ordenanças e coisas externas. Deus permanece em uma espécie de “união sacramental” com sua criação, pois mesmo em sua condição pecaminosa, ele continua sendo seu Criador. Historicamente, o demiurgo foi a invenção gnóstica de um Deus que não precisa se contaminar com a criação. Mas agir sacramentalmente significa agir por meio da criação (“meios”) ou criaturas. Com essa definição, a encarnação pode ser entendida sacramentalmente e nossos sacramentos têm dimensões encarnacionais. 

[...]

A fé enxerga através do comer usual um tipo de comer mais profundo, que envolve o cristão na sua existência interior, de modo que o corpo e a alma recebem sustento no mesmo momento e no mesmo ato. Essencial para os luteranos é a ‘manducatio oralis’, uma nutrição do corpo pela boca. A nutrição exterior do corpo envolve a nutrição mais profunda do corpo e da alma com o corpo e sangue de Cristo. 

- Dr. David P. Scaer, professor de Teologia Bíblica e Sistemática no Concordia Theological Seminary de Fort Wayne (EUA)

📖 David P. Scaer. Sacraments as an Affirmation of Creation. In: Concordia Theological Quarterly. v. 57, n. 4. Out. 1993. p. p. 241-264.

09/08/2024

O pão convencional e o pão sacramental

Eucaristia e Jesus Cristo, por Mina Anton

"Trabalhem, não pela comida que se estraga, mas pela que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do Homem dará a vocês; porque Deus, o Pai, o confirmou com o seu selo." (João 6.27)

Enquanto a água serve a um propósito nas atividades criativas de Deus (Gênesis 1.2), o pão é mencionado pela primeira vez em conexão com a queda do homem em pecado: "Com o suor do seu rosto comerás o pão até que voltes à terra" (Gênesis 3.19). A vida frugal de Gênesis 2, na qual árvores fornecem frutos, é substituída por um sistema complexo que envolve lavrar a terra, lutando contra o crescimento indesejado, cultivar, colher, debulhar, transformar os grãos colhidos em farinha e, finalmente, assar. O pão é um requisito mínimo para a existência humana em um mundo agora condenado à corrupção. Sua produção é acompanhada de suor a cada etapa do processo. Por mais difícil que seja sua produção e por mais simples que seja seu sabor, o pão é básico para a existência do ser humano. Mesmo com as labutas e sofrimentos que acompanham sua produção, o pão não é uma rejeição da criação, apesar de sua escravidão ao pecado; o pão é uma afirmação. A criação, cercada por seus próprios problemas, ainda serve às necessidades dos pecadores. Apesar de seus pecados, por causa da bondade de Deus, os homens têm permissão para viver em antecipação a uma futura redenção. O pão ganha mais significado pelas referências de Jesus a si mesmo como o “pão de Deus”, o “verdadeiro pão do céu” e o “pão da vida”. Isso encontrou espaço na piedade luterana.

O paralelo entre o pão comum e o pão do sacramento é óbvio. O pão convencional e o pão sacramental são, cada um à sua maneira, necessários para o ser humano em seu estado de pecado. O homem físico vive só de pão. O homem destinado a viver com Deus necessita de Jesus Cristo como o pão do céu. Todos trabalham pelo pão que por fim irá perecer (João 6.27). O pão da vida eterna é fornecido mediante o árduo labor de um só homem, Jesus Cristo.

- Dr. David Scaer, professor de Teologia Bíblica e Sistemática no Concordia Theological Seminary de Fort Wayne (EUA)

📖 David P. Scaer. Sacraments as an Affirmation of Creation. In: Concordia Theological Quarterly, Out. 1993. p. 257.


🖼 Eucaristia e Jesus Cristo, por Mina Anton