Sacramento do Altar, por Sara Tyson (Artwork from Luther's Small Catechism, CPH) |
O uso de substâncias criadas nos sacramentos é um aval da criação. Se a criação fosse tão imperfeita e má como os gnósticos diziam, então deveríamos ter sacramentos sem matéria ou não deveríamos ter sacramentos. Lutero fala da palavra de Deus se juntando a um elemento, um elemento da criação, e tornando-se um sacramento (Catecismo Maior IV, 17). Nos sacramentos, nosso olhar foca primeiramente nas coisas, coisas materiais, coisas pertencentes à criação de Deus, através das quais vemos o sobrenatural. Não olhamos em volta delas, mas através delas, para ver a realidade sobrenatural. O que acontece nos sacramentos, em certo sentido, já aconteceu na encarnação. Em Jesus, vemos Deus. Na água, no pão e no vinho, encontramos Jesus. Tanto na encarnação quanto no sacramento, o criado se torna divino e serve ao único propósito divino da salvação. Tanto em Jesus quanto nos sacramentos, o invisível está oculto no visível, e desta forma a criação é primeiro afirmada e então elevada. Através da palavra de Deus, água, pão e vinho experimentam um tipo de redenção de seu uso subalterno e uma santificação pela qual o Espírito traz pessoas a um relacionamento mais elevado com Deus e confirma isto. Os elementos criados são levados ao seu mais alto potencial e pela palavra de Deus excedem esse potencial sem negar suas limitações. Nos sacramentos, coisas comuns são elevadas a um nível espiritual mais alto, uma dimensão na qual o Espírito Santo está operando. […] Luteranos confessionais são sistematicamente contrários a qualquer substituição das substâncias prescritas, assim como também a qualquer alteração do significado das palavras.
[…]
Os sacramentos são importantes não apenas por causa dos mandamentos de Deus, mas porque derivam sua vida e significado de uma cristologia centrada na encarnação. A encarnação, por sua vez, é uma aprovação total da criação. Na encarnação, Deus toma para si a humanidade, a coroa de sua criação. Jesus é tanto Criador e criatura: “Igual ao Pai segundo a divindade e menor do que o Pai segundo a sua humanidade” [Credo Atanasiano].
[…]
Lutero insiste que Deus trabalha conosco por meio de ordenanças e coisas externas. Deus permanece em uma espécie de “união sacramental” com sua criação, pois mesmo em sua condição pecaminosa, ele continua sendo seu Criador. Historicamente, o demiurgo foi a invenção gnóstica de um Deus que não precisa se contaminar com a criação. Mas agir sacramentalmente significa agir por meio da criação (“meios”) ou criaturas. Com essa definição, a encarnação pode ser entendida sacramentalmente e nossos sacramentos têm dimensões encarnacionais.
[...]
A fé enxerga através do comer usual um tipo de comer mais profundo, que envolve o cristão na sua existência interior, de modo que o corpo e a alma recebem sustento no mesmo momento e no mesmo ato. Essencial para os luteranos é a ‘manducatio oralis’, uma nutrição do corpo pela boca. A nutrição exterior do corpo envolve a nutrição mais profunda do corpo e da alma com o corpo e sangue de Cristo.
- Dr. David P. Scaer, professor de Teologia Bíblica e Sistemática no Concordia Theological Seminary de Fort Wayne (EUA)
📖 David P. Scaer. Sacraments as an Affirmation of Creation. In: Concordia Theological Quarterly. v. 57, n. 4. Out. 1993. p. p. 241-264.
Nenhum comentário:
Postar um comentário