Hoje lembramos o Rei Davi no Calendário Luterano. A trajetória controversa de Davi demonstra que o filho de Deus é “simultaneamente justo e pecador” (simul iustus et peccator), no dizer de Lutero. Vamos meditar sobre isto nas ponderações do Rev. Dr. Daniel L. Gard abaixo:
“Davi era santo e pecador. Não há nada de surpreendente ou novo sobre sua pecaminosidade, como qualquer um que tenha frequentado a escola dominical pode atestar. As falhas do grande rei são conhecidas por qualquer pessoa com um conhecimento superficial do Antigo Testamento. No entanto, Crônicas, ao contrário de Samuel, apresenta Davi como o rei ideal cuja glória foi superada somente pela glória de seu filho Salomão. Na verdade, sem os livros de Samuel e Reis, a biografia de Davi seria a de um santo quase sem pecado. [...]
O que então pode ser dito sobre Davi como santo e pecador? Aqui estão quatro observações.
Primeiro, a graça de Deus que se estendeu ao pecador Davi é exatamente aquela conhecida da narrativa teológica contínua do cânon: a justificação objetiva do mundo. A justiça de Davi não é uma justiça que vem do próprio Davi. Davi não foi ouvido por causa da sua justiça, mas por causa da grandiosa misericórdia do SENHOR.
Segundo, o arrependimento requer o reconhecimento da responsabilidade pessoal. Não se pode alegar que um ato foi justificado porque outros concordaram com ele ou porque parecia ser um ato correto e necessário no momento em que foi cometido. Este foi o pecado de Davi ao contar o povo. Ele quis medir o poder de seu reinado através de um censo de seus súditos, em vez de apoiar-se apenas no poder de seu Deus. Os poderes externos, quer sejam dos exércitos circunvizinhos do antigo Israel ou do poder ameaçador de forças culturais que cercam o povo de Deus de todos os tempos, não podem aliviar a culpa de quem confia em sua própria força numérica, ao invés de confiar no poder de Deus. Sempre que o poder da lei é exercido, o objeto da acusação da lei precisa aceitar a responsabilidade pessoal pelos atos praticados.
Terceiro, o chamado ao arrependimento, embora seja um gracioso chamado para todas as pessoas, é especialmente um chamado para aqueles que foram colocados em posições de liderança entre o povo de Deus. Quando Davi pecou no exercício de seu cargo, o seu povo sofreu. Quando ele se arrependeu, ele não implorou por sua própria vida, mas por seu povo. O primeiro mandamento, “Não terás outros deuses”, e a explicação de Lutero: “Devemos temer e amar a Deus e confiar nele acima de todas as coisas”, foi um problema para Davi em seu censo. Isso continua valendo para todos os que ocupam cargos entre o povo de Deus. Quando alguma coisa ou alguém outro que não seja Deus se torna objeto de temor, amor e confiança na mente e no coração de quem foi chamado para liderar o povo de Deus, isso afeta não apenas o líder, mas a igreja.
Finalmente, sempre que o pecado é perdoado por Deus, ele é verdadeiramente perdoado. Ser justificado é ser tornado santo, justo e livre de condenação. O pecador Davi continuou sendo o santo Davi, aquele que recebeu a grande misericórdia de YHWH. A sua biografia é um exemplo visível da história de vida de cada crente.”
Fonte: Daniel L. Gard. The Chronicler's David: Saint and Sinner (CTQ (Concordia Theological Quarterly) Vol. 70:3/4 (jul-out 2006) p. 233, 251-252)
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