03/04/2016

A história do Segundo Domingo de Páscoa



“O Batismo de Santo Agostinho” (c 1695 – 1700), Louis de Boullogne (o Moço) (1654-1733)

A Páscoa ainda não terminou. Neste domingo termina a Oitava Pascal, os oito dias de Páscoa. Mas oito dias ainda é pouco tempo para celebrar tão grandioso evento que foi a ressurreição de Jesus. Então, para meditarmos mais demoradamente sobre o significado da Páscoa, o brilho da ressurreição é estendido até o Pentecostes. São cinquenta dias de Páscoa! Que bênção!
 
Este Segundo Domingo de Páscoa é o oitavo dia de Páscoa. É um Domingo repleto de significados e  ricas tradições que floresceram ao longo do tempo. Muitas destas tradições e costumes foram abandonadas ou ressignificadas, mas vale a pena conhecer a história por trás deste domingo, especialmente a partir das várias nomenclaturas que foi adquirindo.

Domingo in albis: o nome litúrgico deste dia é Dominica in albis depositis (ou deponendis) no Missal Ambrosiano. É o “domingo da deposição das vestes brancas” pois, antigamente, os neófitos que haviam sido batizados na Vigília Pascal recebiam um robe batismal (alba) branco, que usavam durante toda a semana, e somente no Segundo Domingo de Páscoa, os batizados depunham as vestes brancas e passavam a usar suas vestimentas comuns. Este costume é mencionado em um sermão de Santo Agostinho para este domingo e também no hino ambrosiano "Ad regias Agni dapes" (ou, em sua forma antiga, "Ad coenam Agni providi").
 
Aquela semana em que os batizados permaneciam com as vestes brancas era de grande importância na igreja antiga, sendo chamada de ebdomada alba (ou in albis), a "semana de branco". Há quem diga que era uma semana de provação, após a qual o batizado era aceito como membro pleno, depondo suas vestes brancas, assim como uma borboleta que emerge da crisálida.

Há uma bela pintura do pintor francês Louis de Boullogne, o Moço (1654-1733), na qual retrata a cena de Santo Agostinho em vestes brancas sendo batizado por Santo Ambrósio no ano 387, iniciando assim sua "semana de branco" até o o "domingo da deposição das vestes brancas".

Domingo Quasimodogeniti: Antes do advento do Lecionário Trienal, com leituras mais abrangentes para três anos, a Igreja Luterana (e outras igrejas tradicionais) usava um lecionário para o Ano da Igreja que se repetia anualmente, por isso chamado de Anual. Era o lecionário usado no tempo de Lutero e de J. S. Bach, mas ainda em uso em muitas igrejas luteranas como a Igreja Evangélica Luterana Independente da Alemanha (SELK - Selbständige Evangelisch-Lutherische Kirche), sendo conhecido também entre nós como Lecionário Tradicional ou Histórico.

Pois bem, no Lecionário Anual, o Segundo Domingo de Páscoa é chamado de Quasimodo Geniti (Como os recém-nascidos), pois a antífona do Intróito do culto dizia em latim: "Quasi modo geniti infantes, alleluia: rationabiles, sine dolo lac concupiscite, alleluia, alleluia". Este texto é extraído da Primeira Epístola de Pedro (2.2): "Desejai como meninos recém-nascidos, o puro leite espiritual, a fim de por ele crescerdes para a salvação, se é que já provastes que o Senhor é bom".

Recém-nascidos nos remete ao novo nascimento do batismo e à nova vida que encontramos no Cristo ressuscitado. Se levarmos em consideração o Evangelho de João 20.19-31 (o mesmo do Ano C do Lecionário Trienal), lembramos também do sopro de Jesus sobre os discípulos, concedendo-lhes o Espírito Santo, como o sopro da nova vida, em contraste com aquele sopro nas narinas de Adão.

Enquanto nas igrejas luteranas alemãs o Domingo é Quasimodogeniti, entre os católicos romanos é chamado Weiße Sonntag, devido ao costume pós-Trento de se fazer a primeira comunhão das crianças neste domingo.

Low Sunday (Domingo Baixo): nas igrejas de língua inglesa, como a Igreja Luterana – Sínodo Missouri é costume chamar o Segundo Domingo de Páscoa de Low Sunday, provavelmente devido à observância mais discreta deste domingo em contraste com a “alta” (high) solenidade festa da Páscoa no domingo anterior. Por ser o Oitavo Dia da Páscoa, este domingo é considerado parte da Festa de Páscoa, mas num grau menor, mais baixo. Outra explicação pitoresca é aquela verificada na maioria das igrejas, de que neste domingo a frequência no culto volta a ser mais "baixa".

Domingo de Pascoela: antigamente o Segundo Domingo de Páscoa também era chamado popularmente de Pascoela, ou seja, pequena Páscoa, em contraste com a grande Páscoa no Domingo da Ressurreição de Nosso Senhor. Alguns estendiam a denominação de Pascoela a toda a Oitava (oito dias) de Páscoa.

Pascha Clausum ou Clausum Paschae: "Páscoa encerrada" era como se chamava este Domingo na Idade Média, por ser o encerramento (clausura) da Oitava de Páscoa. Desta expressão latina se origina o nome deste domingo em holandês: Beloken Pasen.

Um pouco mais:

1. No romance O Corcunda de Notre-Dame, de Vitor Hugo, o corcunda Quasimodo tem esse nome pois fora abandonado ainda bebê na porta da Catedral de Notre-Dame num Domingo Quasimo Geniti, o Segundo Domingo de Páscoa.

2. Desde o ano 2000, na Igreja Católica Romana, o Segundo Domingo de Páscoa é denominado Domingo da Divina Misericórdia. Esta mudança enfrentou muita resistência pois envolvia uma forte e antiga tradição litúrgica da Oitava de Páscoa e ainda muitos clérigos e estudiosos consideravam um exagero as visões de Faustina Kowalska, que eram o fundamento da mudança.


Bibliografia:


  • A Glossary of Ecclesiastical Terms (Orby Shipley)
  • Año Litúrgico (Prospero Gueranger)
  • Dicionário Enciclopédico de Teologia (Arnaldo Schüler).
  • Harvard Studies and Notes in Philology and Literature, Volume 1 
  • Lutheran Cyclopedia (Erwin L. Lueker)
  • Medii ævi kalendarium (Robert T. Hampson) 
  • Os mistérios de Cristo na Liturgia (José Ferreira)

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