31/10/2018

A Reforma mudou e continua a mudar o mundo


Hoje celebramos a Reforma Luterana. Foi num 31 de outubro, há quinhentos e um anos atrás, que um monge agostiniano pregou na porta da igreja do castelo em Wittenberg um Debate para o Esclarecimento do Valor das Indulgências (Disputatio pro declaratione virtutis indulgentiarum), celebremente conhecido como Noventa e Cinco Teses. Este evento propagou mudanças jamais vistas no mundo ocidental e que certamente ajudaram a moldar o mundo em que vivemos em diversas esferas, não somente teológica e espiritual.

Podemos apreciar um pouco do panorama dos acontecimentos daquela época no prefácio que o professor Timothy Maschke (Concordia University Wisconsin) fez ao livro The Reformation, do Dr. Cameron Alexander MacKenzie, professor do Concordia Theological Seminary de Fort Wayne (EUA). Na introdução do mesmo livro, o prof. Patrick T. Ferry aponta que “as conexões com os tempos em que vivemos estão profundamente enraizadas nas experiências de outros que vieram antes de nós. Podemos entender melhor onde estamos, quanto mais apreciamos onde estivemos”.

Prefácio do prof. Timothy Maschke:

"A Reforma não é mais retratada como um evento isolado do século XVI. Enquanto as reformas do século XVI foram certamente motivadas primeiramente por questões teológicas, as muitas dimensões discretas nas esferas social e política da época deram enorme contribuição para esse evento monumentalmente transformador na civilização ocidental...

O que começou como um silencioso protesto contra as indulgências - feito por um monge agostiniano desconhecido em uma nova universidade em uma cidade discreta do norte da Alemanha - rapidamente, quase que miraculosamente, transformou-se de leves ondas de preocupação espiritual em um tsunami político e teológico, afetando todo o mundo europeu e toda a cristandade. Até aqueles eventos iniciais em Wittenberg, a Santa Igreja Católica estava bastante unida sob o papado. Decisões políticas e teológicas emanavam do trono papal e da Cúria. Mesmo quando os poderes políticos pareciam ter a primazia, a presença papal era sentida por todos. A voz de protesto de Martinho Lutero, começando com sua expressa desaprovação dos poderes papais na Itália, ecoou pelos corredores dos grandes líderes políticos do Sacro Império Romano...

Com os vestígios do Sacro Império Romano-Germânico desaparecendo, havia pouca unidade entre os vários estados-nação em desenvolvimento do século XVI. Uma autoridade administrativa forte e centralizada estava faltando na pessoa do Imperador Carlos V. A Alemanha - se tal rótulo nacional pode ser atribuído à situação política lá - consistia de várias dúzias de ducados independentes, províncias, cidades muradas, cidades imperiais livres, ricos bispados, e uma variedade de dioceses e arquidioceses locais, cada um competindo por poder político e muitas vezes ganho pessoal.

As forças econômicas e sociais estavam mudando rapidamente, embora de forma um tanto invisível para os camponeses e plebeus que trabalhavam no solo ou no comércio. No entanto, as regiões germânicas eram o centro econômico da Europa. Os recursos naturais, como cobre e madeira, produziram um número crescente de camponeses em ascensão, como exemplificado pelo pai de Martinho Lutero, Hans. Artesãos, operários e mercadores locais organizavam-se em corporações e exerciam força política e econômica no âmbito de seus duques e nobres. Localizado no coração do Sacro Império Romano, o território alemão tornou-se uma fonte significativa de riqueza, tanto faturamento quanto recursos, para o papado.

Não apenas na Alemanha, onde o eleitor Frederico, o Sábio, forneceu a Lutero uma proteção política e pessoal excepcional, mas em toda a Europa, a Reforma estava tendo um impacto em mais aspectos do que os valores religiosos. Ulrico Zuínglio e João Calvino usaram persuasão militar e econômica sobre Zurique e Genebra por suas abordagens mais teonômicas para a reforma. O rei Henrique VIII da Inglaterra é digno de nota por sua usurpação do poder eclesiástico por seu próprio governo. Até mesmo a Itália, que ostentava os Estados Papais, era um amálgama de pequenos reinos e ducados “independentes” que tentavam se defender dos franceses, mas na metade do século ela também foi dominada pela Espanha. A Igreja Romana na Escandinávia viu seu poder e influência se dissiparem em meio à discórdia política. A igreja e o estado estavam cada vez mais encarados como tendo áreas de supervisão distintas; o poder temporal e espiritual chegaria a estar sob a alçada de sacerdotes e prelados ou reis e conselhos territoriais.

Definitivamente, os abusos papais haviam chegado ao ápice durante esses anos, principalmente sob os papas ligados à Casa dos Médici (Leão X e Clemente VII), que se viam mais como príncipes italianos governando seus Estados Papais do que como modelos de espiritualidade.  Os clamores por reforma tanto de mosteiros quando do papado repercutiram não apenas na Alemanha, mas também na Espanha, Suíça, França, Holanda, Escandinávia e Ilhas Britânicas - Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda.

O mundo político e teológico estava fervilhando por reformas. E a reforma veio nas pessoas de Martinho Lutero, Filipe Melanchton, Ulrico Zuínglio, João Calvino, John Knox e até Henrique VIII da Inglaterra..."

Traduzido e adaptado de: MacKenzie, Cameron A. The Reformation. St. Louis : Concordia Publishing House, 2017. pg. iv.


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