Hoje é a Festa de São Tiago de Jerusalém, Irmão de Jesus e Mártir. Na igreja grega, e também luterana, sua festa é celebrada no dia 23 de outubro, enquanto que na igreja romana sua festa é celebrada juntamente com o apóstolo Filipe, no dia 3 de janeiro, em virtude de sua identificação feita, durante muito tempo, com Tiago Menor.
São Tiago é o autor da primeira epístola pastoral do Novo Testamento que leva seu nome, na qual humildemente refere a si mesmo como "servo [δοῦλος/doúlos: escravo] de Deus e do Senhor Jesus Cristo" (Tg 1.1). Flávio Josefo (nascido em 37 d.C), em suas Antiguidades Judaicas (Livro XX, 200), narra a história do seu martírio, ocorrido em 62 d.C, quando o sumo sacerdote Anano (filho do ex-sumo sacerdote Anás e cunhado de Caifás) decretou sua lapidação e morte:
“Anano, o mais jovem, cuja nomeação para sumo sacerdote acabei de citar... pertence à seita dos saduceus, que, como já se observou antes, é mais inflexível e impiedosa no tribunal do que todos os outros judeus. Ananos acreditou que tinha uma oportunidade favorável para a satisfação dessa sua dureza de coração, porque Festo estava morto e Albino ainda estava a caminho*. Por isso, ele reuniu os juízes do Sinédrio e pôs diante dele um homem de nome Tiago, irmão de Jesus, que é chamado Cristo, e alguns outros. Ele os acusou de transgressões da lei e os mandou para o apedrejamento. Mas isso exasperou até os mais zelosos observadores da lei, que mandaram um encarregado ao rei** com o pedido de exigir por escrito de Ananos que desistisse de quaisquer outras ações, pois não havia sido correto em seu primeiro passo. Alguns deles foram ter com Albino... e o informaram de que Ananos não tinha nenhuma autoridade para convocar o Sinédrio sem seu consentimento. Em virtude desse incidente, Agripa o destituiu de seu cargo de sumo sacerdote que ele ocupara por três meses...” (Ant. Jud. XX, 200, apud THEISSEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico: um manual. São Paulo: Edições Loyola, 2002. p. 496)No Treasury of Daily Prayer (Concordia Publishing House) lemos que "teólogos modernos acreditam que Tiago era filho de José e Maria e, portanto, um irmão biológico de Jesus. Mas, durante a maior parte da história da Igreja (e ainda hoje), o termo “irmão” usado por Paulo é interpretado como “primo” ou “parente”, sendo Tiago considerado o filho de uma irmã viúva de José ou Maria, que morava com eles."
É sabido que até mesmo Lutero e outros reformadores, dentro de uma longa tradição da igreja, reconheciam Maria como aieparthenos ou "semper virgo". Mas tudo indica que esse nem sempre foi o entendimento mais antigo na igreja. Pierre-Antoine Bernheim (1952-2011), exegeta e historiador das religiões, no livro “Tiago, irmão de Jesus” (Editora Record, 2003) apresenta fartos argumentos sobre o parentesco entre Tiago e Jesus.
Teólogos contemporâneos, como o Dr. David Scaer, professor de Teologia Bíblica e Sistemática no Concordia Theological Seminary de Fort Wayne (EUA), também entendem que Tiago era realmente filho legítimo de Maria e José. Scaer escreve em seu livro "James, the Apostle of Faith: A Primary Christological Epistle for the Persecuted Church":
"O autor da primeira epístola pastoral é Tiago, o meio-irmão do Senhor... Juntamente com Jesus, Maria e José, há quatro filhos, Tiago, José, Simão e Judas, e pelo menos duas filhas, cujos nomes não foram passados. O autor da primeira epístola, o primeiro escrito do Novo Testamento, é o segundo filho de Maria e o primeiro de José. Judas, outro filho de Maria e José, é o autor da epístola do Novo Testamento atribuída a ele (Judas 1.1). De acordo com a lei do Antigo Testamento, Jesus havia se tornado o herdeiro legal de José ao tomar Maria como sua esposa enquanto ela já estava grávida. A nomeação de seus dois primeiros filhos como Tiago e José indica que José estava interessado em perpetuar sua tradição familiar através de filhos que eram seus por um relacionamento de sangue. As traduções inglesas [e portuguesas] da Bíblia encobrem o fato de que o pai de José, Jacó (Mt 1.16) e o primeiro filho natural de José (Mt 13.55), tinham o mesmo nome. Em grego, ambos eram chamados de Jakobos. Seu segundo filho natural foi chamado José por ele mesmo. Judas, o nome de outro filho de José, reflete sua consciência de ser descendente de Judá. Seria ir demasiado longe sugerir que José considerava mais a Tiago como seu primeiro filho do que a Jesus, a quem ele sabia que nunca poderia reivindicar completamente como seu. Algumas palavras de Jesus registradas indicam que um pequeno mas perceptível antagonismo dominou as relações dessa família sobre a missão de Jesus. Qualquer pretensão que a família tenta exercer sobre Jesus é repudiada por Ele com as palavras: "Aquele que fizer a vontade de meu Pai celeste, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe" (Mt 12.50). Mais tarde, na história da igreja, Tiago, irmão do Senhor, seria despojado de toda proeminência inicial que desfrutou no ministério de Jesus e na igreja de Jerusalém por uma Mariologia em desenvolvimento. Embora a igreja primitiva visualizasse Maria e José tendo seus próprios filhos, mais tarde ela foi considerada uma virgem perpétua. O verdadeiro significado da família terrena de nosso Senhor foi perdido. José e Maria foram gradualmente considerados como o primordial casal celibatário, então para salvaguardar a castidade do casal, Tiago e seus irmãos e irmãs deviam ser imputados a outros pais. Até mesmo o pensamento de que eles eram filhos de José de um casamento anterior não é aceitável de acordo com esta visão. Tiago, o irmão do Senhor, foi relegado à categoria de primo e foi subsequentemente considerado como um dos doze discípulos originais, o filho de Alfeu (Mt 10.2-3). O Tiago, que mais tarde alcançaria proeminência na igreja primitiva, não era nenhum dos dois discípulos chamados Tiago, filhos de Zebedeu e Alfeu, mas o Tiago, cujos pais eram José e Maria. A concepção e nascimento de Tiago afasta qualquer conceito docético [aparência] de união nupcial entre José e Maria como um acordo sem relações sexuais. Também nos assegura que Jesus foi criado em um lar onde existiam as rivalidades normais entre irmãos." (James, the Apostle of Faith: A Primary Christological Epistle for the Persecuted Church. Eugene: Wipf and Stock Publishers, 2004. pág. 23-24)
NOTAS:
* Pórcio Festo (60-62) e Luceio Albino (62-64) eram procuradores romanos na Palestina. Como festo morreu inesperadamente, houve um vácuo de poder após sua morte até chegada de seu sucessor.
** A referência é ao rei judeu Agripa II, que governava na Transjordânia por ordem romana e supervisionou o templo até 66.
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