14/03/2021

Lutero: Cristo, a imagem da vida e da graça

Detalhe da Alegoria da Lei e Graça (c. 1529), de Lucas Cranach, o Velho (1472–1553)

Não deves mirar ou contemplar a morte em si mesma, nem em ti ou em tua natureza, nem naqueles que foram mortos pela ira de Deus e que foram vencidos pela morte. Se o fizeres, estás perdido e és vencido juntamente com eles. Deves, pelo contrário, desviar vigorosamente dessa imagem teus olhos, os pensamentos de teu coração e todos os teus sentidos, e encarar a morte com intensidade e diligência apenas naqueles que morreram na graça de Deus e que venceram a morte, sobretudo em Cristo, a seguir em todos os seus santos. Eis que nestas imagens a morte não te parecerá horrível e aterradora, mas sim desprezada e morta, sufocada na vida e vencida. Pois Cristo nada mais é do que pura vida, e seus santos também. Quanto mais profunda e intensamente gravares essa imagem e a mirares, tanto mais mirrará a imagem da morte e desaparecerá por si mesma, sem luta e sem briga. E assim teu coração encontrará paz e poderá morrer tranquilamente com Cristo e em Cristo, como está escrito em Ap 14.13: “Bem-aventurados são os que morrem no Senhor Cristo.” É para isso que aponta Números 21.6s.: quando mordidos pelas serpentes abrasadoras, os filhos de Israel não precisavam combatê-las, mas tinham que olhar para a serpente morta de bronze; então as serpentes vivas caíam por si mesmas e pereciam. Da mesma forma, deves preocupar-te com a morte de Cristo tão-somente; então encontrarás a vida. No entanto, se miras a morte em outro lugar, ela te mata com grande inquietude e tormento. É por isso que Cristo diz: “No mundo (isto significa também em nós mesmos) vocês terão inquietação. Em mim, porém, terão a paz” [Jo 16.33.]

Da mesma forma, não deves contemplar o pecado nos pecadores, nem em tua consciência, nem naqueles que permaneceram definitivamente em pecados e foram condenados, senão ficarás para trás e serás vencido. Deves, isto sim, desviar teus pensamentos disso e não contemplar o pecado senão na imagem da graça. Deves gravar esta imagem com todas as forças e tê-la diante dos olhos. A imagem da graça não é outra coisa que Cristo na cruz e todos os seus queridos santos.

Como se deve entender isso? Que Cristo tira de ti o teu pecado na cruz, o carrega por ti e o afoga — isso é graça e misericórdia. Crer firmemente nisso, tê-lo diante dos olhos e não duvidar disso — é isto que significa atentar na imagem da graça e gravá-la. Da mesma forma, todos os santos, em seu sofrer e morrer, também carregam sobre si os teus pecados, sofrendo e trabalhando por ti, conforme está escrito: “Que cada um carregue a carga do outro; assim vocês cumprem o mandamento de Cristo.” [GI 6.2.] Da mesma forma, ele mesmo diz em Mt 11.28: “Venham a mim todos vocês que estão sobrecarregados e se afadigam; eu quero ajudá-los.” Vê, assim tu podes encarar o teu pecado com segurança, fora de tua consciência. Vê, aí pecados não são mais pecados. Estão vencidos e devorados em Cristo. Pois assim como ele toma sobre si a tua morte e a afoga, para que ela não mais te faça mal, se crês que ele faz isso por ti e se vês a tua morte nele, não em ti mesmo, da mesma maneira ele também toma sobre si os teus pecados e os vence para ti em sua justiça, por pura graça. Se creres nisso, eles não mais te farão mal. Assim Cristo, a imagem da vida e da graça, é nosso consolo contra a imagem da morte e do pecado. É isso o que Paulo afirma em 1 Co 15.57: “Louvor e graças a Deus por nos ter dado, em Cristo, vitória sobre o pecado e a morte.”

— Bem-aventurado Martinho Lutero (1483–1546), doutor e reformador da igreja (Um sermão sobre a preparação para a morte, 1519)

Fonte: LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas: Os Primórdios: Escritos de 1517 a 1519. Vol. 1. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 1987. pág. 390–391.

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