19/03/2021

São José, Tutor de Nosso Senhor

Menino Jesus no colo de São José, Giovanni Battista Gaulli, chamado Il Baciccio (1639-1709)


O Prof. John T. Pless pregou este sermão em 2013 no Concordia Theological Seminary, Fort Wayne, EUA.

Texto: Mateus 2.13-15, 19-23

Hoje, já nos últimos dias da Quaresma, fazemos um retorno ao Natal. A teologia da cruz não é um mero adendo à história do Natal, não é invenção de um ex-monge alemão excessivamente pessimista que era obcecado pelo sofrimento e pela morte. Na realidade, a theologia crucis deixa sua marca em toda a Sagrada Escritura.

No texto de hoje, podemos constatar que é verdadeira a observação de Martin Kahler de que os Evangelhos são narrativas da paixão com introduções minuciosas. A paixão de Jesus não começa com sua traição e prisão na noite da Quinta-feira Santa, mas já vem desde a sua infância. Jesus veio a um mundo onde não foi tratado com indiferença ou esquecido por um frio ceticismo. Pelo contrário, a sua vinda ao universo feito por ele provocou uma furiosa rejeição. Ele veio ao seu próprio povo, mas eles não o receberam, diz o apóstolo João. E Simeão profetiza a Maria que seu filho foi “posto para queda e para elevação de muitos em Israel, e como um sinal de contradição” (Lc 2.34). Vemos essa contradição acontecer em nosso texto de Mateus 2. Este pequeno Jesus “tão doce, tão meigo” é alvo da fúria do tirano rei Herodes que quer eliminá-lo para não deixar nenhum concorrente ao seu trono. Então, Herodes massacrou os meninos - os santos inocentes - em Belém e arredores. Até a fragilidade da infância é uma ameaça para gente como Herodes, que se vê como o autor de sua própria existência.

Herodes morre assim como todos os monarcas finalmente devem morrer. Em sua providência, o Pai que deu seu Filho para ser filho de Maria trabalhou para preservar este indefeso e recém-nascido Redentor para outro dia e para outra morte. Assim como um anjo apareceu em um sonho para José avisando-o para levar Maria e seu Filho ao Egito, onde ele encontraria um refúgio da insanidade despótica de Herodes, agora o anjo do Senhor vem em outro sonho, direcionando-os de volta a Israel, para a cidade de Nazaré na Galileia. Em tudo isso, um script divino é executado. Do Egito, Deus chama seu Filho - aquele que será para Israel um Salvador maior do que Moisés, pois ele redimirá não uma nação de escravos hebreus, mas o mundo inteiro, libertando-os através do derramamento de seu sangue.

Mas até que chegasse o tempo determinado em que o Pai entregaria seu Filho para morrer, o pequeno e frágil Filho precisava de proteção. O Pai fez por seu Filho o memo que que faz por você: “protege-me contra todos os perigos e me guarda de todo o mal”, confessa o Catecismo. Deus defende, guarda e protege. Mas nesta obra de defesa, guarda e proteção, Deus usa suas máscaras, seus instrumentos. Ele usa mães e pais. O corpo da mãe está ali para nutrir e abrigar seu filho, não para aniquilá-lo como um parasita indesejado. E o pai está ali para proteger e lutar por sua esposa e filho, não para travar uma guerra abusiva contra eles.

A José é dada uma atenção muito peculiar na história. A anunciação, o anúncio do anjo feito a ele é menos dramático do que o feito a Maria. Maria responde o anjo com uma canção que a Igreja canta até hoje, o Magnificat. José fica calado, mas também é fiel e obediente em sua vocação de marido e pai. Ele faz o que o anjo lhe diz para fazer. Ele leva Maria e o menino Jesus para o Egito, fazendo o que bons maridos e pais fazem por suas famílias - sustentando-os, cuidando deles e protegendo-os. E quando a ameaça de Herodes passa, ele escuta o anjo e leva Maria e Jesus de volta para casa em Nazaré na Galileia e vive seus dias como marido e pai. José não desempenha um papel central no Novo Testamento e só tem um dia festivo no calendário litúrgico, que é ofuscado pelo grande dia de Maria, a Anunciação em 25 de março, e ainda mais ofuscado pela Sexta-feira Santa e pela Páscoa que já despontam no horizonte. Mas é uma boa coisa lembrar de José, Tutor de nosso Senhor. Ele não era o pai biológico de Jesus; Jesus não tinha seu DNA, mas ele era pai de Jesus e cuidava de seu Filho, protegendo-o e mantendo-o com os olhos fitos naquele que era Pai para ambos, o seu Pai Celestial. E é deste Pai, o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que toda paternidade recebe seu nome. O bebezinho cuidado por José em Belém, no Egito e em Nazaré, é aquele que nos torna filhos de Deus pela fé em seu sacrifício expiatório, cujos frutos comemos e bebemos hoje neste altar, no novo testamento de seu corpo e sangue. Amém.

O Prof. John T. Pless leciona Teologia Pastoral no Concordia Theological Seminary, Fort Wayne, EUA.

Tradução do sermão publicado originalmente no site da revista teológica LOGIA em 19/03/2014.



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