03/07/2013

Moderação nas palavras e atitudes

"Cristo e a adúltera" (1532), Lucas Cranach, O Velho (1472-1553)

Esta é uma reflexão muito oportuna em tempos de redes sociais e de fenômenos virais na Internet, em que palavras são replicadas instantaneamente sem o devido controle, podendo se tornar virais no outro sentido do termo, isto é, podem se tornar venenosas. Podem arranhar a dignidade das pessoas.

Na base dos direitos fundamentais da pessoa humana está a nossa dignidade e do nosso próximo, emprestada por Deus. Desta forma, não deveríamos jamais descobrir a dignidade e a honra de nosso próximo, mas, ao contrário, cobrir o nosso próximo com a dignidade que Deus lhe deu, com a justiça que Deus lhe deu. Como Lutero diz no Catecismo Maior: temos que honrá-lo.

O apóstolo São Pedro diz: "o amor cobre uma multidão de pecados" (1 Pedro 4.8). Por isso, mesmo a pessoa pecadora continua sendo sagrada, propriedade de Deus, amada por Deus. Não é por acaso que o assassino Caim recebeu de Deus uma marca para protegê-lo da vingança das pessoas (Gênesis 4.15). O ímpio e o transgressor continuam sendo imagem de Deus. Devíamos levar em consideração que, no fundo, não somos diferentes daqueles que estão no presídio e cometeram toda sorte de delitos. Se as pequenas e grandes maldades e transgressões que cometemos no dia-a-dia são encobertas, se ainda não cometemos assassinato ou não estamos na prisão, é porque a fidelidade e o amor de de Deus constrói uma cerca protetora em torno de nós e de todas pessoas, que impedem que nossa dignidade seja desprotegida e impedem também que cometamos o mal desenfreadamente.

Em nossas relações interpessoais, mesmo naquelas mediadas pela tela do computador, convém lembrar que, além de “senhor libérrimo sobre tudo, a ninguém sujeito”, o cristão é “servo oficiosíssimo de tudo, a todos sujeito” (Lutero, OSel 2,97). O apóstolo São Paulo escreve na Segunda Epístola aos Coríntios (10.1): "E eu mesmo, Paulo, vos rogo, pela mansidão e benignidade de Cristo". A palavra traduzida por "benignidade" que São Paulo emprega aqui é a "epieikeia". Quando acusado pelos judeus diante do governador Félix, o mesmo São Paulo apela: "rogo-te que, conforme a tua equidade [epieikeia], nos ouças por pouco tempo" (Atos 24.4). Epieikeia é a equidade ou moderação natural, necessária para para que todos possam conviver, respeitadas suas necessidades e suas fraquezas. Sobre esta moderação e donde procede, escreve Santo Ambrósio de Milão (c. 340-397):

"A moderação é sem dúvida a mais bela das virtudes… É só a ela que a Igreja, adquirida pelo preço do sangue do Senhor, deve a sua expansão; ela é a imagem do benefício celeste da redenção universal… Consequentemente, quem se aplica a corrigir os defeitos da fraqueza humana deve suportar e em certa medida sentir o peso desta fraqueza sobre os próprios ombros, e não a rejeitar. Porque lemos que o pastor do Evangelho levou a ovelha fatigada, e não a rejeitou (S. Lucas 15.5) … A moderação, com efeito, deve temperar a justiça. Não sendo assim, como poderia alguém por quem tu mostras desaprovação – alguém que pensaria ser para o seu médico um objeto de desprezo e não de compaixão – como poderia ele vir ter contigo para ser tratado? É por isso que o Senhor Jesus mostrou compaixão para conosco. O seu desejo era de nos chamar a ele, e de não nos fazer fugir assustando-nos. A doçura marca a sua vinda; a sua vinda é marcada pela humildade. Ele disse aliás: “Vinde a mim, vós que estais aflitos, e eu vos reconfortarei”. Assim pois, o Senhor Jesus reconforta, não exclui, não rejeita. E é justificadamente que escolheu para discípulos homens que, ao serem fiéis intérpretes da vontade do Senhor, reuniriam o povo de Deus, em vez de o afastar." (Sobre a Penitência I, 1-4)

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