22/11/2016

O limite na imitação das virtudes e boas obras

“Santa Cecília e o Anjo”, Simon Vouet (1590–1649)

A Apologia da Confissão de Augsburgo ensina que um dos motivos pelos quais os luteranos lembram  homens santos e mulheres santas que nos antecederam na batalha, é seguir (nachfolgen) seus exemplos. Acertadamente, a Confissão diz que devemos fazer "a imitação, primeiro da fé, em seguida das demais virtudes, as quais cada qual deve imitar de acordo com a sua vocação" (AC XXI). É importante considerar que ao imitar a virtude de alguém, devemos fazê-lo, cada qual, "de acordo com a sua vocação".

Isso significa dizer, popularmente, que não temos "vocação" (aptidão) para algumas virtudes. Mas o sentido de vocação que a Apologia traz, expresso pela palavra Beruf (chamado, vocação, etc.), é de que somos chamados por Deus para aquilo que somos e fazemos na vida. No entanto, ao tentarmos viver aquilo que extrapola nosso chamado ou imitar aquilo está além da nossa capacidade, estaremos fadados a uma “falsificação” de nós mesmos. Lutero já criticava aqueles que “se tornaram macaqueadores dos santos e imitam a aparência externa sem a Palavra e a fé” (Preleções acerca de Gênesis). “Aos olhos de Deus este princípio permanece firme e inabalável: todos os santos vivem pelo mesmo Espírito e pela mesma fé e são guiados e dirigidos pelo mesmo Espírito e pela mesma fé, mas exteriormente, todos fazem trabalhos diferentes.” (Juízo sobre os votos monásticos).

O teólogo sueco Gustaf Wingren escreveu que “vocação aponta um mundo que não é o mesmo para todas as pessoas” (A vocação segundo Lutero, p. 184). É o que Lutero também aborda neste trecho extraído de um sermão de Epifania da sua Postila da Igreja, em relação a casar-se ou manter-se solteiro e, nesta matéria, seguir o exemplo de Santa Cecília (lembrada hoje), não é para a maioria das pessoas:
“Amado rapaz, não fique de todo envergonhado que você deseja uma menina, ou que uma menina almeja por um menino, mas cuide para que isto leve ao casamento, e não à fornicação. Não tem nada de vergonhoso nisso – tanto quanto comer e beber fosse uma vergonha. Supostamente, o celibato é uma virtude, porém é um genuíno milagre de Deus, tal como como se uma pessoa não comesse ou bebesse. Ele está além da capacidade de uma pessoa saudável, para não falar da incapacidade da natureza humana pecaminosa e depravada. Não houveram muitas virgens às quais Deus concedeu vida longa; mais que apressadamente as levou deste mundo, tal como Cecília, Inês, Lucia, Ágata, e outros como elas. Eu sei muitíssimo bem o quão nobre é este tesouro, mas também o quão difícil é preservar durante algum tempo.”
No escrito Da Vida Matrimonial, Lutero adverte que “ninguém deverá encetar por esse caminho por conta própria, senão unicamente por chamado especial de Deus, como Jeremias, ou quando sente a graça de Deus tão forte dentro de si que a palavra “crescei e multiplicai­ vos” não lhe diz respeito. [...]Para encerrar: quem não se considera apto para a castidade não demore em procurar uma ocupação e uma atividade; depois, em nome de Deus, assuma o risco e case.”

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